1992: Conclusão do Canal Meno-Danúbio
Qual é o momento certo de abandonar um negócio que só dá prejuízo? Não só os investidores do chamado "novo mercado" oscilam entre a intenção de pôr fim ao susto e a esperança que as perdas ainda possam ser compensadas por ganhos futuros. O que é melhor: apostar numa visão ou aceitar o fracasso?
Esse dilema é bem ilustrado pelo projeto de construção de uma ligação fluvial contínua através dos rios Reno e Danúbio. A primeira tentativa foi feita por Carlos Magno, há mais de 1.200 anos.
"Vala de Carlos"
Cerca de dez mil pessoas ocuparam-se, a partir de 793, com a construção da chamada "Vala de Carlos" e o difícil abastecimento dos operários. Apesar de dispendioso, o plano de ligar um afluente do Danúbio a um afluente do Meno tinha sua razão de ser. No início da Idade Média, o transporte fluvial e marítimo era bem mais confortável, seguro e rápido do que o rodoviário.
A visão de Carlos Magno esbarrou em seus limites, porque a vala era constantemente fechada por quedas de barreiras decorrentes de enxurradas e não era mais possível abastecer a mão-de-obra com os mantimentos necessários. A escavação não chegou a atingir dois quilômetros, mas a idéia nunca morreu.
"Canal de Ludovico"
A segunda tentativa de concretizá-la ocorreu há mais de 1.000 anos. O rei bávaro Ludovico 1º entusiasmou-se com a construção de uma via fluvial entre o norte e o sul da Baviera. Em 1836, começou a abrir o "Ludwigskanal", entre Kehlheim, no Danúbio e Bamberg, no Meno.
Dez anos depois, o canal estava pronto e, nos primeiros anos de atividade, até deu lucro. No entanto, ele era muito estreito e, com o tempo, não agüentou a concorrência com a rede ferroviária. Em quase cem anos de atividade, sequer o capital investido pode ser amortizado. O tesouro público da Baviera pagou caro pelo sonho do rei.
Delírio tecnológico
A terceira tentativa de realizar o projeto foi fruto do delírio tecnológico dos anos 20 do século passado. A idéia era ligar o Mar do Norte ao Mar Negro, através dos rios Meno e Danúbio. Num esforço inédito, o Meno foi completamente canalizado e tornou-se navegável até Bamberg. Já no Danúbio foi construída uma série de represas e comportas. Algumas dessas obras ainda hoje estão em andamento.
Finalmente, em 1960, começou a construção do canal propriamente dito, paralelo ao antigo Ludwigskanal. Nos primeiros vinte, foram investidos 2,9 bilhões de marcos na obra. Em 1981, Volker Hauff, último ministro dos Transportes da coalizão social-liberal em Bonn, tentou puxar o freio de emergência.
"Maior tolice desde a Torre de Babel"
Ele não queria investir mais cerca de 2 bilhões de marcos numa obra que considerava "a maior tolice já vista desde a construção da Torre de Babel". Hauff, porém, foi obrigado a mudar de ídéia. Admitir o fracasso, depois de 60 anos de construção, seria insuportável. E assim as obras prosseguiram, até que a 31 de julho de 1992, o último trecho do canal Reno-Meno-Danúbio foi alagado.
Prejuízo ambiental
Incluindo as obras de retificação e dragagem do Meno e Reno, o canal custou 4,7 bilhões de marcos. Apesar de todas as medidas de recuperação adotadas, o prejuízo ambiental e a deformação paisagística foi enorme. E para quê?
É verdade o volume de mercadorias transportadas pelo canal cresce ano após ano. Cerca de dez mil embarcações passam anualmente por essa via fluvial. Esse número corresponde ao tráfego diário de 14 navios em ambas as direções. Apenas 4% das mercadorias transportadas por via fluvial na Alemanha passam pelo canal. E quem realmente quer viajar do Mar Negro ao Mar do Norte o faz pelo Estreito de Gibraltar.
Curso por nove países europeus
A visão de uma Europa unida pelo Canal Meno-Danúbio ainda não foi destruída, mas já custou rios de dinheiro. Essa visão baseia-se principalmente no curso do Danúbio. O rio de aproximadamente 2.800 quilômetros de extensão nasce na região dos contos de fadas de Grimm, na Floresta Negra, na Alemanha, e corta ou circunda nove países europeus com uma população total de 202 milhões de habitantes.
O papel do Danúbio como um corredor de transporte começa em Kelheim no sul da Alemanha, onde o rio se conecta ao Canal Meno-Danúbio. Seu destino final no Mar Negro é Sulina, uma pacata cidade de aproximadamente 4 mil habitantes.
Sulina é, talvez, o sinal mais evidente de que o Canal Meno-Danúbio tem um futuro, no mínimo, incerto, como caminho da integração européia. "A cidade está morrendo aos poucos, mas está morrendo, sem dúvida", diz Victor Iancu, presidente da Navrom-Delta, empresa que programa passeios de barco na região.
Carsten Heinisch (gh) © 2007 Deutsche Welle
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